08 Julho 2022
“Mães e filhos tornaram-se excluídos de uma guerra infinita: desprezados em seus países de origem devido à sua aliança com o Estado Islâmico, mães e filhos tiveram enormes dificuldades para retornar”. A reflexão é de Eduardo Febbro, em artigo publicado por Página/12, 07-07-2022. A tradução é do Cepat.
Desde que a organização terrorista político-militar Estado Islâmico proclamou seu califado em 2014 em regiões da Síria e do Iraque, são inúmeras as tragédias que o grupo de orientação salafista espalhou no Oriente Médio e na Europa. Atentados, sequestros, decapitações, guerras, destruição de cidades, deslocamento de populações e um proto-Estado religioso totalitário marcaram os anos de sua ascensão entre 2014 e 2019.
Há também outras tragédias mais secretas que engoliram milhares de vidas: são as das mães jihadistas estrangeiras com filhos pequenos que deixaram tudo para se juntar às fileiras do Estado Islâmico e que, quando o grupo confessional começou a afundar nos últimos bastiões que controlava na Síria (2017), entraram em uma terra de ninguém: foram internados em campos situados no nordeste da Síria controlados pelos curdos. Não podiam retornar à Europa nem permanecer no Iraque ou na Síria com segurança.
Mães e filhos tornaram-se excluídos de uma guerra infinita: desprezados em seus países de origem devido à sua aliança com o Estado Islâmico, mães e filhos tiveram enormes dificuldades para retornar. Alguns Estados europeus foram mais tolerantes que seus vizinhos, outros, como a França, extremamente duros com essas mães e seus filhos, apesar de sua nacionalidade francesa.
Até esta semana, apesar das críticas dos organismos internacionais (Anistia Internacional, Comitê dos Direitos da Criança da ONU) e dos familiares, a França administrava os retornos de acordo com o princípio do “caso a caso”, política que as ONGs que defendem os direitos humanos classificaram como “desumana”. Essa situação mudou na terça-feira, 5 de junho, após o Ministério das Relações Exteriores francês anunciar em comunicado que Paris havia organizado nesse mesmo dia “o retorno ao território nacional de 35 menores franceses que estavam nos campos no nordeste da Síria” e mais “16 mães dos mesmos campos”.
Desde 2016, 126 crianças cujos pais aderiram ao Estado Islâmico nos territórios que o grupo conquistou na Síria e no Iraque foram repatriadas para a França. A maioria, cerca de 200 menores e cerca de 80 mães, permaneceu nesses campos sob controle curdo. Agora há 35 menores e 16 mães a menos nesses campos infernais onde vivem milhares de pessoas sem nenhum direito.
Para compreender esse drama, é preciso voltar a março de 2019, quando o Estado Islâmico perdeu a batalha de Al-Baghouz. 40.000 crianças e 20.000 mães foram presas pelas forças curdas que combateram o Estado Islâmico e espalhadas por vários campos insalubres localizados na província autônoma de Rojava. A maioria das crianças e mães são sírias ou iraquianas. No entanto, cerca de 12.000 são estrangeiras e, entre elas, há cerca de mil europeias, das quais um terço são francesas.
Os países europeus (Alemanha, Espanha, Holanda, Bélgica, Itália e Grã-Bretanha) confrontados com o retorno das mães jihadistas e dos seus filhos agiram sem coordenação, muitas vezes em segredo para não assustar a opinião pública. Outros foram extremamente duros com essas mães. A Dinamarca, por exemplo, aprovou uma lei em 2019 que retirava a nacionalidade dinamarquesa dessas mulheres jihadistas. A Grã-Bretanha procedeu da mesma forma sem a necessidade de uma lei. Os filhos dessas mulheres sem pátria tinham que voltar sozinhos para países que, muitas vezes, nem conheciam.
Segundo o jornal vespertino Le Monde, mães e filhos (9 órfãos) chegaram em dois aviões, um deles médico. As 16 mulheres (12 voltaram com os filhos) estão nas mãos da justiça, e entre as que voltaram para a França e já se encontram em prisão preventiva está uma das mais famosas jihadistas europeias: a francesa Emilie König, apelidada de “musa francesa do Daech”. Emilie König foi uma das mulheres mais ativas a serviço do Estado Islâmico. Aos 37 anos, König é mãe de 5 filhos de pais diferentes, ambos militantes do Estado Islâmico. Dois de seus filhos nasceram na Síria e um no Iraque.
Emilie é acusada de ter recrutado mais de 200 pessoas para o Estado Islâmico e de ter “incitado” ataques no Ocidente, especialmente contra as mulheres no Exército francês e as instituições francesas. A ONU a incluiu na lista negra dos combatentes estrangeiros mais perigosos (novembro de 2014). Durante anos, a mulher foi muito ativa nas redes sociais de onde ministrava cursos sobre manuseio de armas e outras estratégias. Hoje, de volta à França, König disse a seu advogado, Emmanuel Daoud, que quer “colaborar com a justiça francesa” porque quer “pagar pelos seus erros e ter uma vida normal”.
Marc López, avô de várias crianças detidas na Síria e membro do Coletivo das Famílias Unidas, que reúne as famílias dos franceses que ainda se encontram na zona iraquiano-síria, espera que este “último retorno ponha fim a esta abordagem política caso a caso que equivale a selecionar as crianças, separá-las de suas famílias e arrancá-las de suas mães”. Deve-se lembrar que, tanto antes como agora, muitas crianças foram repatriadas sem suas mães.
López, com grande emoção, lembra para o Página/12 que “essas crianças são inocentes. Ao contrário do que se diz, essas crianças não têm nada a ver com a guerra, não foram criadas com ódio à França ou sob o culto da Guerra Santa. Elas são muito pequenas e vivem nesses acampamentos há anos em condições insalubres, desconectadas de tudo. Seu único sonho é voltar para a França com suas mães e tentar ter uma vida normal”.
O Coletivo das Famílias Unidas aponta que ainda há 150 menores de nacionalidade francesa e cerca de 100 mulheres adultas no campo de Al Roj. Talvez, a política das grandes repatriações continue nos próximos meses para libertar das garras da miséria e do abandono tantos menores inocentes. Eles estão pagando por serem filhos ou filhas de mulheres jihadistas, não por incitarem qualquer Guerra Santa contra o Ocidente.
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A tragédia secreta de crianças e suas mães ligadas ao Estado Islâmico. Artigo de Eduardo Febbro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU